Colecções, gabinetes e museus em Portugal no séc. XVIII. Museu, viagem e história natural – as expedições científicas ao Brasil e a África.

Abstract

Os seis anos que decorrem entre o fim do pombalismo e o início das viagens de exploração científica aos territórios ultramarinos (1777-1783) assinalam uma mudança decisiva na natureza institucional dos estabelecimentos científicos e museológicos da Ajuda. O Real Museu e o Jardim Botânico mantêm os laços orgânicos à Casa Real, até pela proximidade física ao Palácio, e continuam a cumprir os objectivos cortesãos de instrução ilustrada dos príncipes e de espaço lúdico dos monarcas e do seu círculo convivial. Contudo, alargam-se as atribuições conferidas pela Coroa, no âmbito de estratégia governativa protagonizada por Martinho de Melo e Castro (1716-1795). Para a Ajuda passam a ser despachadas ordens, associando esta repartição pública, com o seu crescente quadro de funcionários, a objectivos de carácter económico e político relacionados com as viagens de reconhecimento dos recursos naturais e humanos dos territórios metropolitanos e ultramarinos, com prioridade para o território brasileiro. Doravante, será pelo complexo científico e museológico da Ajuda (Museu, Jardim Botânico, Laboratório Químico, Casa do Risco, e Livraria) que passará, não só o estágio profissionalizante dos viajantes-naturalistas, como também todas as operações decorrentes da construção ideal do "Grande Museo, que sirva de deposito, e archivo para estas Riquezas dos seus Estados". A data de edificação de um Gabinete de História Natural junto da 'Real Barraca' deverá ser averbada não muito depois da criação do próprio Jardim Botânico. Apesar das limitações espaciais, estes estabelecimentos cedo se viram imbuídos de uma forte componente experimental intimamente ligada à estratégia ultramarina da Coroa. A vocação recreativa e instrutiva atribuída ao Jardim Botânico não é dominante nas funções e actividades do Laboratório e do Museu. De facto, aqui o grande desígnio estruturante será o da publicação de uma História Natural das Colónias, objectivo que ganhará consistência quando, depois de 1777, os primeiros naturalistas formados em Coimbra chegarem à Ajuda para aí receberem treino profissional para as missões filosóficas ultramarinas. Assim se compreende que o Laboratório Químico seja prontamente associado à função utilitária de estudo e exploração dos recursos do Império. É também deste universo que emerge o coleccionismo naturalista na Ajuda, em conexão física e funcional com o Laboratório, mas museologicamente devedor das actividades colectoras de Domingos Vandelli (primeiro em Pádua, 1757-1763 e, depois, em Lisboa, 1764-1772). O Museu de História Natural e todos os estabelecimentos da Ajuda representaram um inovador instrumento científico ao serviço de uma estratégia de desenvolvimento económico, de acordo com as opções metodológicas e epistemológicas presentes no novo discurso museológico, de índole iluminista: "Neste século he a Historia Natural mais cultivada, que nos passados, o que demonstrão as grandes, e interessantes descubertas, e o avultado numero de Museos. No seculo passado, e no principio do presente havião muitos Museos de Medalhas, dos quaes agora há poucos, e preferem-se os da Historia Natural. (....) A impossibilidade de se poderem ver todas as producçoens da Natureza espalhadas em paízes taõ remotos, supre o Museo, no qual como em hum Amphitheatro apparece em huma vista de olhos, o que o nosso Globo contém" (Domingos Vandelli, Diccionario dos termos technicos de Historia Natural)