Estudo contrastivo de associações lexicais no discurso comum e no discurso parlamentar

Abstract

A pesquisa que efectuámos sobre o discurso eleitoral, e que teve como objectivo a elaboração da tese intitulada - "A palavra: instrumento de acesso ao poder. O caso particular do debate eleitoral em Portugal em 1986 e 1991" - revelou-nos existirem no discurso grupos de palavras que surgem sempre ou quase sempre de tal forma associadas que dir-se-ia constituírem um segmento único, inseparável. Tínhamos a noção, empírica, e já o afirmámos em devido tempo de que no discurso político há palavras que formam, com outras, segmentos mais ou menos fixos, mas até ao momento em que nos foi necessário fazer a lematização do léxico existente no corpus não saberíamos dizer onde e como aí se encontravam expressos. Foi, com efeito, a necessidade de proceder ao levantamento das numerosas ambiguidades existentes que nos possibilitou, com base em dados reais, o reconhecimento de alguns destes grupos. Referimo-nos, por exemplo, à pesquisa relativa às formas 'debate' e 'política', cuja classificação exigiu a consulta dos contextos em que surgem integradas, pois ambas são ambíguas na medida em que a primeira pode ser forma verbal e substantivo e a segunda substantivo e adjectivo, facto que determina, para cada uma, duas entradas nos dicionários. Essa pesquisa, que revelou existirem com alguma frequência nos debates analisados o combinatório ‘debate eleitoral' e 'política externa', conduziu-nos a uma evidência: o poder de atracção (e talvez também de repulsão) que algumas palavras exercem sobre outras, de tal forma que quando armazenadas no nosso léxico mental elas já se encontram em íntima correlação. É também o caso de 'esquerda democrática', 'amplas liberdades', 'reforma agrária ', 'maioria absoluta', e de tantas outras combinatórias que o tempo e o uso tomaram familiares aos falantes da língua portuguesa. Referimo-nos, naturalmente, ao campo semântico sobre o qual reflectimos: a política. No entanto, combinatórias como • 'altas pressões' • 'céu azul' • 'estrela cadente ' • 'guerra fria' • 'pressão atmosférica ' • 'regime ambulatório ' fazem-nos crer que o fenómeno de atracção não só não é exclusivo do campo semântico de que nos ocupámos, mas que, pelo contrário, deve ser uma tendência generalizável ao léxico de uma língua. O que inicialmente não passava de intuição veto a ser confirmado pelo conhecimento de alguns dos trabalhos já realizados ou em curso no Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, dos quais destacamos o "Dicionário de Combinatórias do Português", ainda em fase de elaboração sob a responsabilidade de M. F. BACELAR DO NASCIMENTO, e a tese de mestrado de Luísa Alice SANTOS PEREIRA- "Como se combinam as palavras?". Posteriormente, o acesso a uma bibliografia especializada, embora para nós ainda restrita, permitiu-nos ter conhecimento de trabalhos efectuados ou em curso sobre corpora informatizados, de grandes dimensões. O êxito que, segundo cremos, tem sido alcançado pelo Tratamento Automático de Língua Natural (TALN), deve-se à interacção Homem I Máquina, isto é, por um lado ao progresso introduzido pelo Homem na Máquina e, por outro, aos resultados obtidos pela manipulação da máquina pelo próprio homem. Significa isso que os resultados obtidos se devem, portanto, a dois factores essenciais e que mutuamente se implicam: - o constante progresso introduzido nos computadores, capazes hoje de efectuar operações ontem desconhecidas e capazes também de armazenar quantidades de dados ontem ainda consideradas utópicas; - a cooperação estabelecida, em diversos centros do mundo inteiro, entre equipas de informáticos e de linguistas, que, complementando-se, abrem novas perspectivas à investigação relativa às línguas naturais. A pesquisa sobre combinatórias lexicais pareceu-nos, portanto, pertinente, actual e susceptível de poder vir a confirmar o que, de algum modo, tínhamos entrevisto aquando da pesquisa inicial sobre o discurso dos debates que analisámos. Para além do que acabamos de referir, verificamos o crescente interesse que vem suscitando a sintemática, pois ''Panni les innovations lexicales créées pour répondre au besoin de nommer de nouveaux objets, de nouvelles réalités, on observe un type particulier d'unités significatives formées par combinaison de monemes existant déjà dans la langue. Nous faisons ainsi référence aux synthemes (...)", M. J. MARÇALO (1994: 79) ''La synthématique se révele comme un domaine privilégié pour I'observation de la dynamique des langues'', M. J. MARÇALO (1994: 83) Apesar de reconhecermos a existência de pontos de contacto entre a análise que apresentamos e a área de investigação acima mencionada, não nos propomos agora, dada a dimensão restrita do presente trabalho, considerá-la como central na pequena reflexão que constitui o objecto deste trabalho, embora não possamos deixar de reconhecer, como já afirmámos, as íntimas relações entre as combinatórias lexicais, às quais começámos por nos referir, e o sintema " (...) une unité significative, formellement et sémantiquement analysable en deux ou plus de deux monemes, mais qui syntaxiquement, entretient les mêmes relations avec les autres élémentes de I'énoncé que les monemes avec lesquels elle alterne», A. MARTINET (1979: 233) Como é natural, dado o carácter do presente trabalho, e até porque, devemos desde já assumi-lo, se trata da nossa primeira incursão nesta área de investigação, não nos propomos fazer um estudo exaustivo das combinatórias lexicais nem do . quanto elas representam na área de formação de novas palavras. Abordaremos, contudo, as duas vertentes em causa para podermos formular hipóteses que o futuro se encarregará de confirmar ou de infirmar. Na sequência do exposto, e a fim de efectuar a pesquisa que queríamos levar a cabo, só possível mediante a constituição de corpora de, pelo menos, média dimensão, solicitámos à directora do CLUL autorização para utilizar dados armazenados naquele Centro, pois de outro modo não conseguiríamos, num curto espaço de tempo, reunir, digitalizar e submeter a tratamento informático dados por nós directamente recolhidos. Pretendíamos, com efeito, verificar se o que tínhamos intuído na fase inicial do nosso trabalho se verificava realmente, isto é, se havia combinatórias lexicais privilegiadas no discurso político/parlamentar, facto só dedutível da comparação entre o tipo de discurso já referido e um corpus de discurso que designaremos Geral. Obtida a concordância - fácil, devemos dizê-lo, e agradecê-lo - e a cooperação indispensável num trabalho deste tipo, pois tal estudo pressupunha também a implicação de investigadores do CLUL, que tiveram a seu cargo o desenho dos corpora e o levantamento dos índices de concordância, automaticamente fornecidos pelo programa informático utilizado, demos início ao trabalho que passaremos a apresentar: • explicitaremos, numa primeira fase, as opções que tivemos que fazer relativamente à constituição dos corpora sobre os quais incidiram as pesquisa que efectuámos; • apresentaremos, depois, alguns dos conceitos utilizados e o modo como eles se tomaram operatórios; • faremos, seguidamente a explanação dos resultados obtidos, que não serão, certamente exaustivos, mas que, a nosso ver, se integram dentro dos objectivos gerais do trabalho complementar que nos foi cometido.